sábado, 27 de dezembro de 2008

O Sorumbático

Tinha sempre um comentário negativo. Para ele, a vida se resumia a uma palavra: Pessimismo. Ou, para ele, Realidade. Ora, não que as coisas tende-se a dar errado, não é determinismo como a lei de Murphy. Achava que as coisas simplesmente aconteciam não como algo marcado pra acontecer, nem como tudo daria certo sempre. Era uma questão um tanto pessoal: Aconteciam coisas boas e coisas ruins, mas geralmente aconteciam sempre coisas reais. Boas ou ruins eram coisas que aconteciam. A vida não era um céu multicolorido, muito embora também não fosse o completo inferno. Havia os limites, claro, mas dentro da sua ótica particular, sempre tendiam para um lado mais “racional”. Não que o sentimento positivo não estivesse presente, mas mesmo nas coisas boas, aconteceriam outras para esfriar os ânimos. Era inevitável. Por mais que pensasse em coisa reconfortante, logo via um contraponto para pô-lo para baixo novamente. Seja qual fosse o tema, não tendia a ver as flores, e sim, os espinhos. Por mais que o ramalhete fosse belo e estonteante. Sempre ia ter o papel amarfanhado que cobre o buquê.
Em suma: Por trás das coisas mais belas, existe o caos, a tristeza, a dor, a fúria, o sombrio, a conspiração. E somos todos inocentes, achando que a coisa vai melhorar. Melhorar pra quem? - Tudo permanece igual. - Só mudam os sistemas! Costumava bradar, mesmo sem compreender direito o que afirmava com veemência. Pra que ser o mais ditoso de todos. O mais loquaz, mais sábio, mais redundante, mais pomposo, se não somos nada mais nada menos do que idiotas. Vivemos de ilusão. E isso nos apraz. Assim é. Pode parecer exagero. Mas, por mais atos benéficos que cometamos, sempre terão negatividade. - Nada é excessivamente bom, que não possa ser piorado. Gostava de frases de efeito. Devia ser excessivamente ressentido. Vai ver não teve uma infância feliz. Um trauma ronda a sua alma. Há um mistério no ar. Quase não o vemos caminhar pela rua. Não está nas calçadas, na padaria, no clube, no bar; ninguém o vê. Sempre se esconde na sua fraqueza. É inútil. Não esforçasse para melhorar. Não vê que a vida pode ser vivida com mais jovialidade, companheirismo, dedicação, amor. É fácil, ou muito difícil, ser o rio que corre contra o mar. Um tipo de Dom Quixote que grita e luta contra moinhos de vento. Mas é uma metáfora do que ele pensa? Quem sabe...
É engraçado vê-lo defender com a fúria de um advogado de defesa seu ponto de vista. Mas ele não tem ponto de vista, nem sabe pra onde vai. Ele é só um pouco como você e eu. É o verdadeiro “Nowhere Man”. E se apetece com isso. É seu lema contrariar. Não ser igual a todos os tolos da colina. Eles caminham juntos na mesma direção. - Pois lá deve estar a “Terra Nova”. E que terra é esta? A terra de guerras, de fome, miséria, doenças, desrespeito, desonestidade, calúnia, desespero, violência e outras mazelas. Talvez, ele seja um tanto rude, mas no fundo, tem um pouco de razão: - A vida é bela, mas o que a rodeia é o caos. Uma frase meio louca, mas ele sempre gostava disso. Era uma grande figura. Costumavam dizer: - Você é muito Contra! Não entendia e respondia na lata: - Não sou contra nada, vocês é que estão todos a favor! Uma figura!
Da última vez que tive notícias, andava pelas bandas do sertão. Filiou-se a uma ONG, chamada “Contra Tudo e Contra Todos Mesmo sem Saber nos que se está sendo Contra”. Com uma sigla estranha: CTCTMSC. Esquisito. Mas ele anda por aí. Sempre com um paletó preto e óculos escuros. Com sapatos envernizados. Uma mala escura cheia de livros e a Barba cheia. Sempre suado e com vários dias sem banho. Diz que é pra manter os ideais. Lembro do nosso último encontro, quando tomávamos uma xícara de chá com costeletas de porco. Ele virou-se e disse, com sua habitual “rebeldia”: - Um dia eu hei de conseguir alcançar os meus ideais de vida. Mesmo sem saber quais são eles e que vida é essa. Esse era o sorumbático. Ele faz falta...