quinta-feira, 14 de junho de 2007

Um dia na vida (Uma adptação livre de A Day in the Life)

Manhã de Domingo. Eberhard acorda e vai até a esquina comprar o seu jornal, como o faz corriqueiramente. O dia está ensolarado, fazendo aproximadamente uns quarenta e dois graus de temperatura na sombra. O suor escorre pela sua testa alva e respinga na sua barba densa. Caminha a passos calmos, com seu hobby de chambre, e sandálias de couro. Ao chegar à banca de revistas, compra a sua tão aguardada edição do Daily Mirror. No caminho de volta, começa a ler uma ou outra notícia; e uma em especial o chama atenção: “Visite os picos de Backburn, em Lancanshire. Preços promocionais!” Ao ler, comenta com os seus botões:

Eberhard: - Isto é coisa para burocratas! Onde já se viu! Visitar os Picos de Blackburn em Lacanshire. É uma fortuna! Imagine: Passagem, hospedagem, diárias, bebida, alimentação, fora á diversão noturna. Indubitavelmente isso não é pra mim. Eu sou um funcionário do governo aposentado. E com esta recessão, não dá par ir de trem de Liverpool a Manchester.

Virando a página, já na escadinha de acesso a casa, observa mais uma noticia, dessa vez um pouco mais alarmante: “Homem é decapitado após acidente automobilístico”. Lê com sofreguidão, e após uma pausa para reflexão, pois está agora sentado na poltrona, ele pensa consigo mesmo:


Eberhard: - Hum... É a vida. Breve e imprevisível. Um jovem. Mas, o que podemos fazer? Acidentes acontecem. Uma fatalidade! Que poderia imaginar? São fatores externos, inexplicáveis. Temos de convir que nos sobra tão somente a dedução: - Se ele estivesse em alta velocidade? Ou quem sabe, não se pode afirmar, estivesse bêbado? Com tanta bebida vendida por aí deliberadamente... Porem vamos supor que ele tivesse dormido ao volante? Talvez fosse famoso e um paparazzi o atrapalhasse na hora. Bom, nunca saberemos. São hipóteses prováveis ou não. Quem sabe? Talvez um atentado ou uma conspiração. É melhor esquecer. Deixe-me folhear outras páginas.



Ao virar a pagina, Eberhard dá de cara com mais uma notícia: “A guerra continua. Ingleses enviam soldados e armas para o Vietnã”. Indignado, Eberhard, brada bem alto:

Eberhard: - Burocratas! Salafrários! Larápios! Bando de Monarcas absolutistas! Vão gastar com a guerra! E eu com este salário de fome, morando num cubículo fétido; e os calhordas, só porque tem seus MBEs, e puxam o saco da rainha, ficam expondo o pais a guerra. E os famintos? E os doentes? E os desvalidos? Desamparados, desempregados, ladrões, putas e tantos outros? Que falsidade de democracia é esta? Ela é invalida nessa ilha. Estamos no fundo do poço! E os soldados? O que eles tem a ver com isso? E Suicídio! Partir para lutar com os Vietcongues? Loucura! Onde nos estamos! E a rainha?!

Após o desabafo, pensa melhor e divaga:

- Bom, a rainha não resolve nada! Só serve como um fantoche na Tv, representando o país nas viagens internacionais com sua coroa cravejada de diamantes. Bela porcaria! Se for assim, até eu! Por causa disso que este país não progride! Não vai á frente! Alias vai. Mas vai a guerra! Estamos fudidos!

Enquanto isso, num surto pacífico, Põe na sua vitrola o lp Magical Mistery Tour, dos Beatles. Mais precisamente, as faixas número um e numero onze, primeira e última, coincidentemente do disco, denominadas Magical Mistery Tour e All you need is love, com uma particularidade, sempre retornando aos versos: “The Magical Mistery Tour is waiting to take you away,(...) is dying to take you away” e “All you need is love, love, love love...” e ao passo que ouvia tais versos lamentava:

Eberhard: - É isso o que eles fazem com os nossos filhos. Leva-os embora, enquanto precisamos simplesmente de amor. Um absurdo (suspirando).

Completamente revoltado, Eberhard vai ao armário, pega uma garrafa de Scotch 12 anos, toma doses ininterruptas, uma atrás da outra, volta ao armário, pega uma seringa e injeta LSD puro nas veias, caindo desacordado em seguida.


Eberhard chega no céu. Ou talvez ele supõe ser um céu. Caminha entre as nuvens, e é recebido pelo homem de plasticina. Ele o convida para um passeio no rio. Eberhard entra num barco de madeira e inicia a navegação, passando em meio a tangerinas e marmelos, quando, de repente, ao longe, ouve uma mulher de caleidoscópio, chamá-lo lentamente:

Mulher: - Eberhard... venha na nossa mágica e misteriosa viagem... Seja bem vindo... venha... venha... venha... A mulher tinha olhos avermelhados como o sol e vivia no céu dos diamantes. Chamavam-na de Lucy.

Continuando a viagem, Eberhard desceu por uma montanha e avistou pedras em forma de cavalos e pessoas comendo Marshmallow. Remou um pouco mais, e viu um campo com flores gigantes, que cresciam vertiginosamente, chegando a alturas incríveis. Vendo aquilo, Eberhard não conseguia sequer falar. Espantado apenas dizia:

Eberhard: Incrível! Fantástico! Maravilhoso!

Mais adiante, teve que alterar um pouco o percurso, para desviar o barco de pequenos táxis de jornal. Passados mais alguns minutos, enfim chega á estação. Desceu e despediu-se do homem de plasticina. Então Lucy, a garota do caleidoscópio, chamou-o lentamente, novamente: - Volte para o seu mundo...

De volta ao planeta, Eberhard recorda a consciência. Passava das onze da noite. Ele levantou-se, com uma dor tremenda no corpo; foi até o banheiro, ainda atordoado, molhou o rosto com água fria e arregalou bem os olhos. Pôs a língua para fora e aparou o próprio pulso. E quase sem forças balbuciou:

Eberhard: - O que houve? Onde estive? Será que estou ficando louco?

Aos poucos o choque inicial foi passando, e ao voltar à sala, encontrou a seringa no chão, a garrafa de Scotch sob a mesa, e o jornal no piso da sala todo ensopado. Ficou extasiado por alguns minutos, depois foi dormir.


Eberhard acordou. Eram oito horas. Estava atrasado pro trabalho como voluntário no museu. Levantou, pulou da cama, arrastou o pente pelos cabelos. Bebeu um copo de leite apressadamente. Pôs um maço de cigarros no smoking, pegou seu chapéu, o guarda chuva e saiu rapidamente. Ao passar em frente á velha banca de revistas, viu, de relance a seguinte notícia, quando ia para o ponto de ônibus: - “Homem sortudo é preso!” Parou um pouco. Mudou de cor. Ficou pálido. Começou a suar e tremer. Seria coincidência? Jornal, notícias? Iria começar tudo de novo? Ou seria só mais um sonho? Não sabia. Inesperadamente, um transeunte que estava a esperar o mesmo ônibus de Eberhard o pergunta:

Transeunte: - O senhor está bem?

E Eberhard responde: - Sim. Estou. Não foi nada.

E o transeunte: - Pois bem, o ônibus que o senhor aguarda chegou.

Assim, Eberhard entrou no ônibus e seguiu viagem. Sem entender bem o que ocorrera. Teria ele sonhado, ou estava louco? Tudo tinha voltado ao normal? Não sabia, muito menos compreendia. Partia para mais um dia na vida...

FIM

Nenhum comentário: