quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Eu Sou a Morsa!

Ficava sentado num jardim inglês. Desses que tem muitas arvores de caules compridos e bancos de mármore. Uma chuva fina e insistente caia sobre o chapéu de feltro. Devia ter uns 65 anos mais ou menos. Tinha os cabelos grisalhos e o rosto marcado por rugas. Uma barba branca bem aparada e fumava um cachimbo com as pernas cruzadas e olhar sério e fixo no horizonte. A expressão fechava, revelava talvez, uma personalidade rude. Porem, por dentro estava arrasado. Perdera a esposa á pouco mais de um mês e sentia-se um tanto abalado. Não, demonstrava claro. Esperava ver o sol novamente. Queria ficar bronzeado, mas aquilo não parecia muito com uma tarde de verão. Não dá pra ficar bronzeado com a chuva inglesa. Próximo a ele podia-se ver um policial, e depois mais um, e mais outro; formavam uma fila de policiais defronte ao jardim. Para proteger um pobre senhor de coração partido. - Que pássaros bonitos! Pensou ele. - Veja como eles voam como a Lucy num céu de diamantes!
Do outro lado da rua, um homem mais robusto, corpulento e forte (Desculpem usar a redundância, mas ele era realmente grande e forte), clamava a plenos pulmões, vestido um suéter preto e repetidamente: - Eu sou ele! Assim como você é ele! Assim como você sou eu! E nos estamos todos juntos! Eles correm como porcos armados! Veja como eles voam!

E o senhor no banco começou a chorar copiosamente...

No banco ao seu lado via-se um garoto, sentado, esperando a van de a escola passar. A segunda feira tinha sido feriado, e ele não estava muito disposto. E ficava resmungando: - Maldita Terça-Feira! Poderíamos ter a semana inteira de feriado! Nisso passava uma senhora distinta pelo parque que o repreendia: - Cara, você é um menino pervertido! Deixa sua cara aumentar! E o menino retrucou na mesma hora: - Você é uma velha com cara de creme amarelado, e esses olhos pingados de cachorro morto. Esposa de um caçador de caranguejos e uma sacerdotisa pornográfica! E a mulher devolve: - Você é um garoto pervertido! E o garoto: - Abaixe suas calcinhas!
Enquanto isso, transeuntes bem vestidos, parecendo ser escritores, fumando cigarros Gitanes, sufocando-se com a fumaça olhavam para a cena e entreolhando-se pareciam trocar idéias telepáticas: - Você não acha que o bobo da corte sorri pra você garoto? E num tom debochado cochichavam: - Veja como ele sorri como um porco no chiqueiro. Como ele debocha desta nobre senhora?

E o senhor do banco detrás chorava copiosamente...

Do outro lado do jardim, via-se um maltrapilho catando uma lata de sardinha de semolina. Ele subia na lata de lixo como se escalasse a torre Eiffel. E um cara a seu lado, vestido de pingüim entoava cânticos Hari Krishna. E outro, supunha-se ser um intelectual, no restaurante ao lado, chutava um livro de Edgar Allen Poe. E gritava mais alto ainda: - Eu sou um intelectual! Eles são intelectuais? Então eu sou a Morsa! Bom trabalho! Bom trabalho! Era o dia de uma noite difícil.

E o senhor do banco detrás chorava copiosamente...

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