segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A Rita

Eu lembro da Rita. Ela gostava de ficar na janela, vendo o dia passar e o sol raiar. Acordava cedinho. Antes de todos os outros da casa. Ela dizia que a gente tem que acordar antes do sol passar por cima da gente. Tinha umas teorias estranhas. Gostava de dizer que nunca ia se casar na vida, pois homem é coisa que não presta. –São todos sem vergonha! Cansava de dizer que eles são fantasiosos. Prometem, tem uma lábia cruel, fazem mil juras de amor, enchem de presentes, fantasiam, lançam mundos e fundos, ditam, cantam, berram, fazem-se de santo, mas, que na hora H são verdadeiros incompetentes. Não querem nada. São como mágicos ilusionistas, fazem um avião desaparecer na sua frente, muito embora o avião seja ilusão de ótica, coisa que não existe.

Gostava de ler poesia a Rita. Rimbaud, Camões, Vinícius de Moraes, Johann Wolfgang Von Goethe, Percy Bysshe Shelley, Fernando Pessoa, Frederico García Lorca, Mario Quintana entre tantos outros. Gostava de operas. Mozart, Beethoven, Bach, Chopin, Tchaikovsky, Richard Wagner, Vivaldi e etc. Gostava de arte essencialmente de Picasso, Pollock, Cândido Portinari, Gustave Coubert, Michelangelo, Rafael entre outros milhares. Admirava MPB. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, João Gilberto, Tom Jobim, João Donato e principalmente Chico Buarque. Seu nome, fora inspirado numa canção escrita por ele no seu primeiro LP de 1966. A Rita. E se orgulhava do seu nome. Dizia que era um nome iluminado. Musical, poético, podendo ser escrita uma ópera. Ou seja, uma conjunção de todos os seus gostos refinados.

Mas era triste a Rita. Não encontrava ninguém que compreendesse o seu refinamento, talvez por ela não ter o afã de outras moças. Ou quem sabe seus cabelos lisos e seus aparelhos nos dentes. Ou seus óculos de aro redondo. Pode ser que sejam suas notas, sempre altas. Ou sua formação em sociologia com mestrado em antropologia avançada. Ou, em ultima instancia sua capacidade lingüística. Não, acho que pode ser seu modo poliglota. Ela fala cinco idiomas (Português, Inglês, Espanhol, Francês e Alemão). A Rita é diferente das outras. Nem citei ela gostar de Jazz e seu ícone Miles Davies, nem que ela gosta de flores e sonha com um príncipe encantado. Ora, se a coisa está difícil com essas qualidades, pra ela arrumar um par. Imagine se eu lhes confidenciar que ela adora cinema francês, argentino e iraniano. Sem falar nos clássicos da sétima arte.

Realmente, uma mulher como a Rita é raro de se encontrar em qualquer esquina. Ah, esqueci de mencionar que ela bebe. E bebe socialmente. Gosta de Vinho do Porto, Champanhe Don Perrignon, Moet Chandon, Henri Abelé e etc. Comer? Só alta cozinha. Vitela, Cordeiro, Salmão, Caviar, Escargot e coisa e tal. É complicado pra Rita adaptar-se ao mundo real. Mas um dia ela consegue. Vai precisar de força de vontade pra mudar seus hábitos. Comer sarapatel, feijoada, caruru, tucupi, tacacá, vatapá e outras iguarias locais. Ouvir Silvano Salles, Pablo do Arrocha, Psirico e outras “pérolas” musicais... Isso sem falar que ópera, o pessoal confunde com operá. Bom, dito isto, não imagino a Rita sentada numa calçada, fofocando e maldizendo a vida alheia. É uma mudança muito radical pra ela. Ela estudou em colégios Maristas e Faculdades Públicas Federais. Mas quem sabe um dia a Rita não se torne uma Ritinha de Chica?


O tempo dirá...

Um comentário:

Unknown disse...

Rita além de sofisticada ela é bem nascida...! rsrsrs
Sua criatividade é impressionante!!
mas acho que ela jamais comeria e/ou ouviria essas perolas da cultura popular. É demais!