domingo, 30 de janeiro de 2011

Comprar Porcaria...

Denominava-se rato de brechós. Gostava de comprar tudo quanto era porcaria. Bom, pra ele eram relíquias e artigo de grande utilidade. Não sei o que pode ter utilidade em carros velhos, guidões de bicicletas usados, pára-quedas, botas de exercito e sacos de dormir furados pra dois. Alem de um jubileu de coração banhado a ouro, delicadamente quebrado ao meio.
Pra que toda essa parafernália? Se mal tinha lugar pra acomodar mais dessas tranqueiras no seu quarto pequeno e úmido? Bom, devia ser pela mania de historiador que tinha. De dar importância a todo tipo de objeto, a fim de comprovar alguma utilidade séculos depois entre os seus pares. Mas sua mãe insistia pra que ele jogasse metade de lixo fora, senão, mal teria lugar pra dormir. Uma vez que a cama não tinha mais espaço entre tantos livros, discos, jornais, revistas e outros milhares de souvenires espalhados por todas as partes do quarto. Era muita quiquilharia. Qualquer hora ia tropeçar em alguns desses objetos.
Mas era uma diversão pra ele. Comprar, comprar e comprar. Livrarias, lojas de discos, locadoras, sebos, banca de revistas, enfim, qualquer lugar que vendesse coisa qualquer, por mais ínfima que fosse, era pra ele o seu templo. Dizia cada uma dessas peças, uma fase da sua vida. Um aprendizado nos livros, um alento nas musicas, um espelho nos filmes e sentimentalismos nos outros apetrechos. Cada um, com cada particularidade teve uma crucial determinação na pessoa que se formara há alguns anos. Não faz sentido, claro, como coisas materiais podem influir na vida comum, quando se baseia na busca de algo mais profundo espiritualmente falando?
Essas coisas não têm valor! Gostava de dizer a plenos pulmões com um ar de auto-ironia. Se tiver algo material, é porque de alguma maneira, aquilo estava em uma época determinada e deixou marcas, para o bem ou para o mal. Um livro pode ter sido presenteado por alguém, assim como um CD ou um filme. Uma história pode ter sido inspiração para um filme, e uma musica foi sua trilha para um momento especial ou uma dor pungente. E tê-los ali, num espaço mínimo, é como recordar algo da vida. A parte espiritual serve pra acalentar essas lembranças, e não pra ser especificamente a causa de se destruir coisas que marcam, e, o tempo, velho amigo, trata de jogar tudo para o esquecimento. E depois, os pormenores da vida, naturalmente fazem com que nos desfaçamos do mundo material.
E assim, cada pagina amarelada dos seus livros, as ranhuras nos discos e as imagens desgastadas dos filmes, ação do tempo, são resquícios de uma vida frutífera ou não, porem, vivida a cada instante, e antes que alguém o condene, ele viu cada por do sol, amou cada uma das mulheres que teve, constituiu uma família e criou seus filhos. Exatamente como se deve fazer.
E os seus antigos pertences, antes porcarias, foram doados para sua antiga escola e auxiliam na formação de outras pessoas, que fantasiam em cada linha, casa verso, cada acorde e cada cena de uma vida que assim como toda porcaria que a gente guarda nada mais é do que a passagem de uma coisa que a mãe dele nunca compreendeu, ou fez de conta que não entendeu. O conhecimento. Mais valioso do que qualquer material por ele guardado. Porem, valioso para saciar o espírito de muitas outras pessoas. E assim foi. Até o fim...

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